Evidenciando
que a realidade atual pode assumir vieses tão árduos quanto os percorridos nos
anos de chumbo
Para contar a história de um dos mais brutais crimes
políticos cometidos no Brasil, em 1973 – conhecido como o Massacre da Chácara
São Bento – quando a poeta e intelectual paraguaia, Soledad Barrett Viedma, foi
cruelmente torturada e morta pela Ditadura Militar em Pernambuco, o espetáculo
“Soledad – A Terra É Fogo Sob Nossos Pés” se vale, como ponto de partida do
processo de encenação, o livro do escritor pernambucano Urariano Mota -
‘Soledad no Recife’.
A dramatização universal de Hilda Torres – traduzida pela sua
companheira de palco, intérprete de Libras, Juliana Gonçalves – que trilha
todos os pontos nebulosos do regime instaurado que tomou o Brasil a partir de
1964, é regida pela emotiva direção de Malú Bazán, também responsável por aproximar
o espectador dos bastidores emocionais dos torturados pela ditadura –
impossibilitando que, à metáfora que adorna o subtítulo do espetáculo, seja
imputada qualquer responsabilidade por uma eventual conotação fictícia, mas uma
forte e densa implicação política, evidenciando que a realidade atual pode
assumir vieses tão árduos quanto os percorridos nos anos de chumbo.
Exercendo a sua capacidade interdisciplinar dentro de sua
própria direção, Bázan também é a responsável pela concepção cenográfica e do
figurino, exaltando a sua clarividência e lucidez intelectual ao modelar a
submissão dos excluídos entre as classes sociais. No palco, Bazán estende um véu formado por um patchwork de
páginas de arquivos da autocracia militar que se encaminha ao altar erigido sob
a escusa do extermínio da diversidade em prol de uma utopia da construção de
uma sociedade homogênea e massificada. A desesperançosa viagem de volta ao
obscuro passado é iluminada pelo desenho de luz de Eron Villar que conduz os
espectadores a um mergulho nas sombras, após serem superexpostos aos ofuscantes
focos de luz e esquecidos ao sabor da penumbra que embala o silêncio pessoal,
responsável pela exposição de suas fraquezas humanas. Lucas Notaro, com a sua
direção musical conceitual, corrobora na narrativa sobre guerrilhas, mortes e
torturas contidas na dramaturgia de Torres e Bazán, definindo uma paisagem sonora
capaz de conduzir o espectador à reflexão sobre as incompreensíveis resistentes
manifestações em favor da volta de uma ditadura acima de tudo, abençoada por um
Deus que estaria acima de todos.