O espectador é colocado em um terreno arenoso e crítico
Muito se especula e se testemunha
sobre a morte – da possibilidade do falecido estar presente e confuso ao seu
velório, do eventual insucesso
quanto ao desprendimento do apego à existência que já se encerrou ou quanto ao fato da morte ser mera
passagem para uma nova modalidade de vida. Mas pouco se fala sobre a genuína
imagem daquele que teve seus sonhos e desejos interrompidos, daquele que
experimentou uma vida repleta de limitações e preconceitos, e daquele que
desejava ser reconhecido pela sua história de fato, e não por aquela que
inventara para a sociedade.
Num primeiro momento, parece que
todos que morrem se tornam Santos e merecedores de redenção e de perdão, uma
vez que já não se encontram mais, piedosamente, entre nós e não mais servem
como berços de substantivos abstratos, tais como astúcia, angústia ou
prudência.
Marcando sua presença no Teatro dos
Quatro, Rio de Janeiro, em 10 de março de 2015, o Circuito Geral inicia esta
resenha pelo ponto de vista daquela que elegeu para si, como a protagonista de
“As Bondosas” - a falecida que usa sapatos vermelhos; que é representada por
caixas, permanentemente movimentadas durante o espetáculo; que no palco, se
resume em caixão, santuários e ponto de apoio para que seus anseios se tornem
algo público para os que já não podem mais lhe ouvir. Tal feito é possível pela
competente concepção do desnudo cenário assinado por Sidcley Batista que torna
visível aos olhos, o que é invisível à lógica.
O espectador é colocado em um terreno
arenoso e crítico, com muita propriedade e bom humor, demandando reflexão sobre
o substantivo feminino e, possivelmente, sobre de quem, de fato, se trata a
eleita possível protagonista. A hipocrisia em que todos vivemos imbuídos,
possivelmente é a razão pela qual nos leva a acreditar que a falecida se trata
de uma meretriz, fomentado pelos preceitos de Astúcia, Angústia e Prudência,
personagens, consequentemente coadjuvantes, que podem ser reconhecidas como
consciência post mortem da mulher encaixotada.
O trio, interpretado com alma
feminina, possui a marca da pegada masculina de Gerson Lobo, Leandro Mariz e
Sidcley Batista que conta com o respaldo do figurino de Leandro Mariz - peça
fundamental para compreensão da essência das personagens que não choram, mas
observam e rezam sob o manto de um dosado desenho de luz, que marca cada
momento das profissionais carpideiras e da exposição da sua visão sobre a moral
amoral.
“As Bondosas” é um surpreendente
espetáculo - sob a despretensiosa, ao mesmo tempo, engenhosa direção de Tom
Pires - para aqueles se permitem não acreditar no que simplesmente vêm, mas
conseguem enxergar o que, de fato, espelha a concepção do texto por seu autor -
Ueliton Rocon.
https://www.facebook.com/curtocircuitocultural
Nenhum comentário:
Postar um comentário