Terrível, cênico e, em alguns momentos, tão monótono quanto à espera por tempos melhores, mas com um poder imobilizador pós apresentação
Livremente inspirado no “Pequeno livro para tempos
conturbados” composto por quatorze capítulos contemplando textos teóricos,
fábulas e poemas escritos por Edward Bond, entre 1984 e 1998, um espetáculo
teatral se propõe ratificar o caráter longevo e profícuo da obra do dramaturgo,
poeta e argumentista britânico. "Edward Bond Para Tempos Conturbados"
se propõe a preencher uma lacuna em potencial, na discussão da relação do
teatro com a sociedade, em meio ao pensamento sobre a violência e os rumos das
relações sociais, mesmo que, de forma radicalizada.
A direção de Daniel Belmonte assume um caráter épico e cruza
o âmbito das técnicas específicas dos desejos que beiram a experiências
multissensoriais que expõem a obra de Bond.
Seu trabalho traz à luz da informação crítica o escrutinar da justiça e
a desumanidade do ser, dando forma à dramaturgia de André Pellegrino como se um
recital disforme que relaciona o texto brutal de Pellegrino com as imagens
videográficas assinadas pela dupla Leonardo Bianchi e Kaio Caiazzo, de modo a
manter o espectador consciente das suas coordenadas no âmbito do mapa social.
Seguindo o pensamento de Bond, que define a forma fundamental
da mente funcionar como imaginação à procura da razão, o confrontante elenco
composto por Susanna Kruger, Fernando Melvin, João Sant’Anna, Kallanda Caetana,
Leonardo Bianchi e Lívia Feltre, eficientemente, faz com que o espectador se
veja em busca da razão em respeito à sua própria imaginação. A descolonizada
concepção cenográfica de Julia Marina e Ana Barbiere transporta para o palco um
campo de batalha onde se desembaraçam as mentiras da complexidade humana e o
vazio da sociedade expressados pela arte cênica. A atmosfera repleta de
teatralidade, provocadora e emocionante, que não atinge somente a razão, mas
também a sensibilidade repercutida pelo texto de Bond, tem como aliado o
figurino de Anouk Van Der Zee, que dá corpo às ideias do dramaturgo, mesmo
quando o figurino formal se faz ausente. A hecatombe contida nas entrelinhas do
desenho de luz dos Irmãos Mantovani convida o espectador a se lançar nas
profundezas do inferno imaginativo, muitas vezes, sob penumbra tão intensa que
dá margem para ser interpretada como uma nuvem que anuncia o apocalipse que
condena todos à angústia pela simples falta de acuidade visual por tempo
indeterminado. O visagismo de Marianna Pastori afirma a natureza metaliguística
dos personagens ao facilitar a construção dramatúrgica do espetáculo, em comum
união ao desenho de som de Antonio Nunes que, de forma articulada, contribui
para com o escopo imaginativo, extensivo às cenas apresentadas.
Os densos movimentos pincelados na pintura do cartaz de
divulgação do espetáculo por Lívia Feltre é algo que chama atenção como uma
forma de expressão diante do caos social no qual o espetáculo mergulha –
inclusão que pode ser imputada ao olhar sensível de Colmar Diniz, diretor de
arte do espetáculo.
Como uma variante da vida, "Edward Bond Para Tempos
Conturbados" é terrível, cênico e, em alguns momentos, tão monótono quanto
à espera por tempos melhores, mas com um poder imobilizador pós apresentação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário