ENTREVISTA
/ RAFAEL PRIMOT, ATOR
Por Paulo Sales
Espetáculo: Baby, Você Precisa Saber de Mim
Fotos: MSenna
Vídeo: PSales
Premiado com o prêmio Shell tanto como ator quanto como autor, Primot já deixou sua marca no teatro brasileiro. Antes de "Baby", ele se destacou em "A Herança", uma monumental obra de seis horas, dividida em duas partes e envolvendo 15 atores no palco. Agora, em "Baby", Primot assume o palco sozinho, explorando e compartilhando as nuances e desafios dessa nova experiência teatral.
Como ocorreu o processo de desenvolvimento do argumento e qual a fonte de inspiração que promoveu uma narrativa tão intensa de "Baby, Você Precisa Saber de Mim"?
Rafael Primot: O desenvolvimento de "Você Precisa Saber de Mim" originou-se da reflexão sobre a complexidade das relações familiares e o impacto profundo do luto no ambiente doméstico. A inspiração veio de experiências pessoais e observações sobre como o luto pode revelar e transformar os laços familiares. Eu, o diretor e o adaptador, Franz Keppler, passamos por perdas significativas, incluindo a perda de nossas mães. Usamos nossa dor e experiência para criar uma narrativa inédita, que, embora trate do luto, é também esperançosa. Busquei explorar como o amor fraterno influencia a forma como enfrentamos perdas e reconciliações. A narrativa foi moldada para refletir a intensidade e a autenticidade dessas experiências, criando uma trama que pretende tocar o coração do espectador e desafiá-lo a refletir sobre suas próprias relações e sentimentos. Todos passaremos pelo luto em algum momento de nossas vidas, e, frequentemente, não estamos preparados para isso.
Como foi definida a dinâmica para a incorporação dos personagens, a marcação do tempo de diálogo e as alternâncias de tons de vozes, gestual e expressões faciais, tendo em vista a complexidade e autenticidade contidas em cada um?
Rafael Primot: A definição da dinâmica envolveu uma análise detalhada das nuances emocionais e psicológicas de cada personagem: Edu, Júlia, a mãe e o pai – e, em alguns momentos, a interação entre eles. Trabalhei intensamente na marcação do tempo de diálogo para garantir que cada palavra e pausa transmitisse o peso emocional desejado pelo diretor. As alternâncias de tom de voz, gestual e expressões faciais foram ajustadas para refletir a complexidade das relações e das situações enfrentadas pelos personagens. Além de buscar uma grande performance, meu objetivo foi contar a história com sinceridade, como se estivesse compartilhando um conto com amigos e descrevendo cenas e acontecimentos que o personagem vivenciou.
Como coautor do texto de Baby em parceria com o também ator e escritor Rodrigo Frampton, como foi conduzida a direção de si mesmo, enquanto único integrante do elenco, e a eventual participação de Frampton nesse processo?
Rafael Primot: O texto originou-se de uma peça teatral e de um livro que eu havia publicado. Durante a pandemia, convidei Franz Keppler para adaptar a peça, originalmente para quatro atores, para uma única pessoa. A direção de Frampton ajudou a cortar excessos na dramaturgia, o que é habitual em sala de ensaio. Dirigir a mim mesmo no teatro exigiu um equilíbrio delicado entre autoavaliação e execução das ideias criativas. Rodrigo Frampton desempenhou um papel crucial na revisão e no feedback do desempenho, oferecendo uma perspectiva externa valiosa e confiável – somos amigos há 20 anos e já trabalhamos juntos anteriormente. Sua participação garantiu que a visão original do texto fosse mantida, ao mesmo tempo que ele contribuiu com sugestões e ajustes para aprimorar a performance e a narrativa.
Dando seguimento à dinâmica anteriormente descrita, como foi processada a sintonia fina entre diretor e os profissionais responsáveis pelos recursos cênicos – tais como Marco Lima no cenário, Sarah Salgado na luminotecnia, Débora Falabella no figurino, e Marcelo Pellegrini pela trilha sonora?
Rafael Primot: Trabalhei em estreita colaboração com Marco Lima para garantir que o cenário refletisse o ambiente emocional da peça e tentasse transportar cenicamente o quintal da minha casa (onde ensaiei) para os palcos, preservando a graciosidade, a delicadeza e a simplicidade. Sarah Salgado criou atmosferas que amplificaram as nuances emocionais das cenas. Débora Falabella e eu discutimos o figurino inicialmente online (devido à pandemia) para garantir que cada peça complementasse e acentuasse a caracterização dos personagens, e depois ajustamos os detalhes, o que foi uma experiência incrível e gratificante. Marcelo Pellegrini, um compositor premiado e grande músico, compôs a trilha sonora de maneira a realçar a intensidade emocional da narrativa sem ser piegas ou exagerada. Essa colaboração constante assegurou que todos os elementos cênicos estivessem em harmonia com a visão dramática da peça e com o que eu esperava. Cada profissional trouxe seu olhar e talento, e depois reunimos tudo de maneira coesa.
O que levou a escolha da voz de Marjorie Estiano visando a sua participação como elemento intrigante em off e o seu impacto como recurso enriquecedor da narrativa?
Rafael Primot: A escolha de Marjorie Estiano para o papel de elemento intrigante em off foi motivada pela sua capacidade única de transmitir profundidade e emoção com sutileza. Sua voz acrescenta uma camada de complexidade à narrativa, enriquecendo o enredo e oferecendo uma perspectiva adicional que complementa a experiência visual e emocional do público. Marjorie teve um impacto significativo, mesmo com a sua breve participação off que abre e fecha o espetáculo. Sua voz, a única além da minha, ajuda o espectador a visualizar e entender melhor a irmã frequentemente mencionada, ampliando a ressonância das emoções exploradas e o interesse do público e da imprensa por este monólogo, que aborda temas ainda considerados "indigestos".
Quais são as suas expectativas quanto à reação e à assimilação por parte do público que assiste "Baby, Você Precisa Saber de Mim”?
Rafael Primot: Espero que o público se conecte profundamente com a história e os personagens de "Você Precisa Saber de Mim". Minha expectativa é que a peça provoque uma reflexão sincera sobre o luto, a reconciliação e os laços familiares. Desejo que os espectadores se sintam tocados pela autenticidade emocional da narrativa e que saiam do teatro com uma nova perspectiva sobre suas próprias relações e experiências. O objetivo é que o público não apenas se emocione, mas também encontre uma ressonância pessoal que os ajude a lidar com suas próprias questões e desafios, especialmente relacionados ao luto. Que a peça contribua para superar momentos difíceis, promovendo o diálogo honesto em casa, com amigos, recebendo afeto e aceitando que é o caminho da vida e que precisamos seguir em frente com alegria e vitalidade.
Minha expectativa é que
a peça provoque uma reflexão
sincera sobre o luto, a reconciliação
e os laços familiares.
Desejo que os espectadores se sintam
tocados pela autenticidade emocional
da narrativa e que saiam do teatro
com uma nova perspectiva
sobre suas próprias relações
e experiências
Rafael Primot
A inspiração veio de
experiências pessoais e
observações
sobre como o luto pode revelar
e transformar os laços familiares.
Rafael Primot