A estrada para o país: Chigozie Obioma abre as veias da Nigéria em um romance brutal e profético | profético
- circuitogeral
- 11 de mai.
- 2 min de leitura
Um romance que não apenas atravessa os campos minados da história nigeriana, mas os implode com o peso trágico de mitos antigos, presságios ancestrais e uma dor nacional não cicatrizada

A estrada para o país: Chigozie Obioma abre as veias da Nigéria em um romance brutal e profético | Livro
Chigozie Obioma retorna ao cenário literário com uma força vulcânica em A estrada para o país, um romance que não apenas atravessa os campos minados da história nigeriana, mas os implode com o peso trágico de mitos antigos, presságios ancestrais e uma dor nacional não cicatrizada. Se em Os pescadores ele sussurrava premonições e em Uma orquestra de minorias cantava elegias metafísicas, aqui Obioma ergue uma sinfonia de horrores e esperanças em que cada nota ressoa com o sangue coagulado da guerra civil de Biafra.
Kunle, o protagonista, não é apenas um personagem: ele é um médium, uma alma carregando o fardo de gerações e a ruína de um país que se fragmenta como um espelho sob a violência da história. A profecia que o define como um abami eda — uma figura destinada ao renascimento pela morte — não é mero enfeite mitológico, mas um dispositivo de vertigem: Obioma nos obriga a enxergar o destino como uma armadilha escancarada, onde livre-arbítrio e fatalismo dançam um tango de desespero.
A linguagem do autor é ao mesmo tempo febril e cerimonial — ele escreve como quem oficia um rito. Cada página é atravessada por uma urgência mística, por uma consciência de que há forças maiores do que as humanas ditando os rumos da guerra e da existência. A guerra de Biafra não serve apenas de pano de fundo; ela é um personagem, uma entidade devoradora, pulsando como um coração doente e faminto. A presença da Cruz Vermelha, os campos de batalha, os desaparecidos, tudo isso ganha contornos quase alucinatórios na prosa de Obioma — como se o real estivesse em constante colapso sob o peso do espiritual.
É impossível sair ileso dessa leitura. A estrada para o país não quer consolar nem explicar: quer ferir, incendiar e, talvez, purificar. Ao fundir os modos épicos de uma odisseia com a crueldade insuportável da guerra moderna, Obioma cria um romance que se move entre o delírio e a revelação. Ele nos lembra que há guerras que não terminam com tratados, mas com histórias — e que algumas histórias são necessárias justamente porque doem.
Neste livro que é ao mesmo tempo lamento e exorcismo, Obioma se consagra como um alquimista da palavra, capaz de transformar o sofrimento coletivo em literatura de uma beleza aterradora.

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