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Do Sobrado à Cena: A Convergência de Jorge Amado, a Culinária e a Revolução Feminista em ‘Gabriela - O Musical’ | Crítica | Anúncio | Apresentação

Entre o Calor da Bahia e a Alma de Amado

Do Sobrado à Cena: A Convergência de Jorge Amado, a Culinária e a Revolução Feminista em ‘Gabriela - O Musical’ | Crítica | Anúncio | Apresentação


A tarde do dia 8 de novembro de 2024 prometia uma experiência sensorial única, em que a obra de Jorge Amado se fundiria com a culinária contemporânea e a arquitetura colonial do Sobrado da Cidade, criando uma atmosfera de imersão vibrante e grandiosa. A expectativa era alta: um evento que buscava celebrar Gabriela, o clássico literário de Amado, e sua adaptação musical, enquanto proporcionava um banquete para os sentidos, que conectaria os sabores da Bahia à estética da literatura e ao espaço cuidadosamente reformado. No entanto, o que deveria ter sido uma celebração da arte e da gastronomia se revelou mais como uma experiência morna, sem a profundidade ou ousadia necessárias para causar o impacto prometido.


O Sobrado da Cidade: Uma Atmosfera Promissora, mas Falha na Execução


Ao adentrar o Sobrado da Cidade, o primeiro impacto é, sem dúvida, a ambientação. O casarão, com seu estilo colonial modernizado pelo retrofit, serve como cenário para o evento, criando um ambiente encantador que promete uma fusão entre o passado e o presente. No entanto, o que poderia ser uma imersão profunda nas tradições de Jorge Amado e nas influências culturais e gastronômicas da Bahia acaba se limitando à superficialidade. A promessa de uma experiência que une literatura, gastronomia e arquitetura parece se perder no caminho, pois a execução do menu deixa a desejar em vários aspectos.


Gastronomia: O Esforço Que Falha em Surpreender


As entradas, batizadas com os nomes de personagens emblemáticos de Gabriela, são um reflexo do que poderia ser uma homenagem divertida, mas falham em se distanciar do lugar comum. A “Gabriela” (uma quiche do dia) é um exemplo clássico de um prato bem executado, mas sem qualquer destaque ou inovação que o diferencie de uma opção disponível em qualquer restaurante mais genérico. A massa leve, porém sem a crocância desejada, e o tempero suave, que mais se limita a uma tentativa de suavidade do que de um real sabor marcante, não são suficientes para despertar a emoção que se espera de uma refeição que homenageia uma personagem tão multifacetada e vibrante.


Os pratos principais, como o “Tonico Bastos” (frango à parmegiana com fetuccine artesanal), seguem a mesma linha de previsibilidade. O frango mal cozido e excessivamente empanado perde toda a sua identidade embaixo de uma camada espessa de queijo e molho. O fetuccine artesanal, que deveria brilhar pela sua leveza e frescor, é engolido pela pesadez do prato. Mesmo a tentativa de inovar com o “Jerusa” (risoto de camarão com alho-poró e urucum) se vê comprometida pela falta de harmonia e execução. O risoto, embora cremoso, não consegue se destacar por um sabor profundo, e o camarão, cozido acima do ponto, contribui mais para a frustração do que para o prazer. O urucum, em vez de ser uma adição vibrante, parece um mero adereço sem propósito.


Sobremesas: Doçura sem Profundidade


As sobremesas, “Glória” (bolo da casa) e “Tuísca” (tartelete), seguem a mesma linha de mediocridade. O bolo da casa, embora simpático, carece de um toque de originalidade e falha em surpreender com uma textura ou sabor marcante. A tartelete, visualmente atraente, não consegue equilibrar a crocância e a cremosidade da forma que se esperaria de uma sobremesa sofisticada. A doçura bem dosada não é suficiente para dar profundidade ao prato, tornando a experiência final algo efêmero e sem a intensidade de uma criação gastronômica memorável.


Uma Experiência que Deixa a Desejar


Apesar da atmosfera cativante e da promessa de imersão no universo de Jorge Amado, o evento acaba por ser uma experiência aquém das expectativas. O Sobrado da Cidade, com sua proposta temática, parece mais uma homenagem morna do que uma verdadeira celebração dos elementos que compõem a obra de Amado. A tentativa de unir literatura e culinária se esvai, deixando no ar a sensação de que se está apenas participando de mais uma refeição comum, em um restaurante qualquer com música ao vivo.


A grandeza da obra de Jorge Amado, com sua riqueza de personagens e cenários exuberantes, exige uma abordagem mais ousada, algo que o evento não conseguiu entregar. A cozinha, embora técnica, carece da exuberância e do toque de autenticidade que faria jus tanto à complexidade de Gabriela quanto ao potencial do espaço. Para quem esperava uma verdadeira imersão, a recomendação parece ser simples: um retorno ao lar, onde a experiência gastronômica possa, de fato, ser memorável, e onde a ousadia e a profundidade ainda sejam ingredientes essenciais para a criação de uma verdadeira obra de arte na cozinha.


A sensação final, portanto, é de um grande potencial desperdiçado. A experiência não chega a ser ruim, mas também não faz jus à grandeza que promete. Para os que buscam uma imersão real na obra de Jorge Amado, talvez seja melhor procurar outro tipo de experiência, onde a culinária se aproxime mais da literatura e onde o sabor se traduza em algo tão vibrante quanto as palavras do autor baiano.


Sobrado da Cidade - Rua do Rosário, 34 - Centro


 
Gabriela - O Musical

"Gabriela - O Musical: Entre o Calor da Bahia e a Alma de Amado"


"Gabriela - O Musical", que chega aos palcos do Rio de Janeiro, promete reacender o fogo da obra de Jorge Amado, oferecendo uma adaptação que mistura a energia visceral da Bahia com o dinamismo do teatro musical. A proposta é mais do que uma simples transposição do romance para o palco; trata-se de uma tentativa de capturar a essência da obra, celebrando a brasilidade e trazendo à tona a paixão, o calor e as contradições que permeiam a história. A direção de João Fonseca e Nello Marrese é fundamental nesse processo, já que eles têm a difícil missão de transmitir a força da obra sem suavizá-la, levando ao palco a sensualidade, a luta e a resistência do povo baiano que Amado descreve tão magistralmente.


Fonseca, com sua vasta experiência em musicais de grande sucesso como "Tim Maia - O Musical" e "Cazuza", tem a expertise necessária para criar um espetáculo sensorial, mas o desafio será capturar a complexidade das relações sociais, culturais e políticas que são o cerne de Gabriela, Cravo e Canela. A história de Gabriela e seus personagens não se resume a uma simples narrativa de amor ou romance; ela é impregnada de tensões sociais, conflitos de classe, resistência à opressão e uma luta por liberdade e identidade. Esses aspectos precisam ser mantidos na adaptação, sem que a produção recorra à suavização ou idealização da realidade descrita por Amado.


Gabriela, a protagonista, é uma figura central não apenas pela sua beleza e sensualidade, mas também pela sua força irreverente, sua liberdade de espírito e pela forma como personifica o povo nordestino, com todas as suas contradições e dores. É crucial que o musical não reduza a personagem a um estereótipo de musa exótica ou folclórica, mas que a retrate em toda a sua complexidade e autenticidade. A Gabriela de Amado é uma mulher destemida, cheia de vitalidade e luta, uma mulher que enfrenta os desafios de uma sociedade marcada pela desigualdade e pela opressão, e essa essência precisa ser refletida no palco.


A trilha sonora, sob a direção musical de Tony Lucchesi, é outro ponto central. A proposta de mesclar canções inéditas com clássicos de artistas como Gal Costa, Maria Bethânia e Zé Ramalho é interessante, mas o maior desafio será equilibrar o tradicional e o inovador, sem perder o espírito visceral e popular da obra original. A música precisa ser mais do que apenas uma camada sonora agradável; ela deve atuar como uma extensão da própria narrativa, intensificando a experiência emocional e sensorial da história. O calor da Bahia, a sensualidade das ruas de Ilhéus, o som do mar e o ritmo do samba precisam transparecer na música, para que o público sinta verdadeiramente o espírito da obra.


A adaptação de Vitor de Oliveira, encarregado do texto, enfrenta a tarefa de reimaginar a trama de forma que ela seja fiel aos elementos fundamentais da história, sem perder a crueza e a profundidade que caracterizam o romance. A obra de Jorge Amado é complexa e multifacetada, abordando não só as relações amorosas, mas também os choques de classe, o embate entre o novo e o velho e a luta constante pela sobrevivência. Esses elementos devem ser explorados no musical com a mesma intensidade e clareza com que foram abordados na obra literária, sem cair na tentação de suavizar ou simplificar os conflitos que a tornam tão poderosa.


O grande desafio dessa adaptação é conseguir respeitar a riqueza e a profundidade do romance, ao mesmo tempo em que oferece uma nova experiência para o público contemporâneo, especialmente os amantes do teatro musical. A obra de Amado não é apenas uma história de amor; ela é uma reflexão sobre a resistência, a liberdade e a identidade de um povo. Para ser bem-sucedido, o musical precisa traduzir essa carga emocional e cultural de forma genuína, sem cair em clichês ou se perder em uma estética superficial. A produção deve ser uma celebração autêntica da Bahia, de sua música, de suas cores e de sua gente, mas também deve transmitir as dores e as lutas que fazem parte dessa terra e dessa história.


Em última análise, o que se espera de "Gabriela - O Musical" é uma adaptação que vá além da simples homenagem à obra de Jorge Amado. O público, tanto os fãs de Amado quanto os apreciadores de teatro musical, espera uma produção que faça justiça à riqueza da narrativa e ao legado cultural de Amado, ao mesmo tempo em que ofereça uma experiência teatral única, emocionante e imersiva. O musical precisa transportar o público para o calor de Ilhéus, para o ritmo vibrante da Bahia e, acima de tudo, para a luta constante e a paixão avassaladora que caracterizam a obra de Jorge Amado. Só assim ele poderá ser digno do legado do autor e deixar uma marca duradoura no público.


Gabriela, o Musical


Teatro Dulcina


Rua Alcindo Guanabara, 17 - Cinelândia/Centro, RJ


De 22/11 a 08/12/2024


Sextas e sábados, às 19h


Domingos às 18h


 
Gabriela - O Musical

Clarissa Chaves: A Revolução Silenciosa de Jerusa e a Reinvenção Feminista na Arte


Ao se preparar para interpretar Jerusa no musical Gabriela, inspirado na obra de Jorge Amado, Clarissa Chaves demonstra um empenho profundo em reinventar a personagem, sem se limitar às convenções já estabelecidas. A atriz não vê Jerusa como uma mulher submissa à paixão ou ao destino, mas como uma figura de força e transformação. Sua interpretação busca apresentar Jerusa como uma mulher em constante metamorfose, alguém que, mais do que amar, se liberta ao reconciliar seu corpo com suas escolhas. Essa abordagem vai além da simples adaptação do personagem; é uma reinterpretação que ressignifica a trama de Jorge Amado à luz de um discurso contemporâneo sobre autonomia feminina e liberdade de expressão.


Clarissa acredita que Jerusa representa uma "luta política", uma personagem cuja jornada pessoal de emancipação ecoa não só nas tensões sociais e de gênero do Brasil de ontem, mas também nas questões feministas que continuam a pulsar na sociedade atual. A atriz está se preparando para levar a personagem a um novo patamar, onde a busca por liberdade e por direitos sobre o próprio corpo se torna uma resposta ao sistema patriarcal, cujas estruturas ainda persistem. Para Clarissa, interpretar Jerusa não é apenas atuar, mas também se engajar ativamente em uma reflexão sobre as lutas de mulheres, tanto no passado quanto no presente.


Em seu trabalho atual, Clarissa está focada em dar à personagem uma dimensão que transcenda o contexto histórico de Amado, aproximando-a das questões contemporâneas de igualdade de gênero e autonomia feminina. Sua preparação envolve uma intensa pesquisa sobre o momento histórico da obra, mas também sobre as repercussões dessa história nos dias de hoje. A atriz se dedica a entender a fundo o universo de Jerusa, não apenas em relação aos seus conflitos internos, mas também em relação às suas interações com os outros personagens e o ambiente social da Bahia retratado no livro. Ela se empenha em dar à personagem uma voz forte, que represente a contínua revolução feminista que está presente na luta diária das mulheres por seus direitos, por sua liberdade e por sua identidade.


Clarissa, com seu olhar sensível e sua compreensão profunda do papel da arte, vê o teatro e a música como poderosas ferramentas de resistência e transformação. Seu trabalho atual busca integrar essas formas de expressão para amplificar a mensagem de Jerusa, projetando-a como uma personagem que, ao invés de se submeter às normas impostas, se utiliza da sua arte e de seu corpo como meios de subversão e de liberdade. A atriz não está apenas se preparando para estrear no papel; ela está se dedicando a uma construção cuidadosa e intencional de uma Jerusa que será capaz de atravessar os tempos, de dialogar com o público contemporâneo e de provocar uma reflexão profunda sobre o lugar da mulher na sociedade.


Assim, ao se aproximar da estreia do espetáculo, o trabalho de Clarissa visa não só render uma performance de alta qualidade, mas também instigar uma nova forma de ver Jerusa, uma mulher que não se limita ao seu contexto, mas que desafia as limitações de sua época e que, no processo, acaba se tornando um símbolo da liberdade e da luta feminina. Sua preparação para o papel é uma expressão de sua visão artística e de sua crença no poder da arte como ferramenta de transformação social e pessoal.


Além de Clarissa Chaves, o time de atores é formado por  Allan Castro, André Celant, Avner Proba, Beatriz Faria, Fernanda Botelho, Gabiá, Igor Barros, Isabella Antunes, Isadora Gomes, Jennifer Lemos, Jhony Maia, Julio Lima, Lucas San, Luísa Gomes, Marcela Amorim, Matheus Damaso, Mathias José, Sarah Aysha, Sofia Kirk, Sônia Corrêa, Tairini e Vinícius Medeiros.


Sobre o musical 


O clássico “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, ganha uma nova versão para o teatro em formato de musical. A produção, realizada pelo Ceftem RJ, conta com uma equipe criativa de destaque: João Fonseca e Nello Marrese na direção, Tony Lucchesi na direção musical e Bella Mac na coreografia. Quem assina a adaptação é Vitor de Oliveira, dramaturgo e roteirista de programas, como “Vai Que Cola” do Multishow e novelas, como “O Astro” e “I Love Paraisópolis”, ambas da Rede Globo.


“Gabriela - O Musical” promete ser uma celebração da brasilidade, com uma trilha sonora que combina músicas originais compostas por Tony Lucchesi, com letras de João Fonseca, e clássicos de artistas brasileiros como Gal Costa, Maria Bethânia, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo.


Por Paulo Sales e Mauro Senna

fotos: PSales e Msenna



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