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Manas: Um grito calado das ilhas amazônicas | Cinema

Entre os rios espessos da Ilha do Marajó, onde a infância se mistura à lama

Manas

Manas: Um grito calado das ilhas amazônicas | Cinema


Entre os rios espessos da Ilha do Marajó, onde a infância se mistura à lama, à promessa e à dor, Manas finca os pés com o peso de quem não pode mais esperar. Dirigido por Marianna Brennand e filmado em chão amazônico com naturalismo abrasivo, o longa abraça a crueza de uma realidade silenciada, costurando ficção com as vísceras de um documentário que nunca quis ser — e, eticamente, nunca poderia ter sido.


No centro do filme está Marcielle, ou Tielle, uma jovem de 13 anos interpretada com fulgor por Jamilli Correa, uma revelação tão urgente quanto a denúncia que a narrativa carrega. Tielle, cercada por um cotidiano brutal e sem disfarces, atravessa o rito de passagem de quem amadurece antes do tempo, orbitando entre a ausência glorificada da irmã e a presença opressora do pai e da estrutura familiar. O talento bruto de Correa, capturado em planos íntimos e quase sufocantes por Pierre de Kerchove, empresta à personagem uma intensidade silenciosa — sua dor raramente se grita, mas nunca deixa de pulsar.


Manas é um filme regionalmente bichado: marcado pelas cicatrizes e os silêncios que a distância geográfica e simbólica do Brasil profundo impõem. Marianna, vinda do campo do documentário, sabe onde não pisar — evita o voyerismo e a espetacularização da dor. Ao invés disso, mergulha em uma ficção sensorial, onde o naturalismo não é estilo, é ética.


É também um filme ilhado na velhice de estruturas patriarcais que persistem como pântano, afundando meninas e mulheres em ciclos de abuso e apagamento. A policial interpretada por Dira Paes, inspirada em figuras reais de resistência, é uma força centrífuga nesse enredo — não tanto como salvadora, mas como farol possível em um mar de sombras. Dira, que conhece a terra e seus códigos, performa com gravidade e comedimento, talvez consciente de que, ali, protagonismo é um luxo reservado aos homens — ou às tragédias.


A direção de arte de Marcos Pedroso e o figurino de Kika Lopes recusam exotismos: tudo é vivido, gasto, manchado pelo tempo e pela rotina. A edição de Isabela Monteiro de Castro respeita o tempo das coisas, o arrastar dos dias, a espera. O filme não busca resgatar Marcielle; busca, antes, fazer o público entender por que ninguém nunca a resgatou.


Manas é denúncia, é ficção, é denúncia outra vez. Um retrato corajoso e necessário do Brasil que muitos fingem não ver. É uma obra que incomoda porque recusa a catarse, e talvez por isso mesmo se torne tão potente. Ao final, o que resta é o silêncio – não o da omissão, mas o do impacto.


Manas
2048


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