Poesia Perigosa: Outras Armadilhas Desejáveis de Juliano Holanda é Amor com Estilhaços | Crítica | Livro
- circuitogeral
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Um livro que beija o leitor na testa antes de empurrá-lo, sem cerimônia, para um abismo de linguagem que fere e cura ao mesmo tempo

Poesia Perigosa: Outras Armadilhas Desejáveis de Juliano Holanda é Amor com Estilhaços | Crítica | Livro
Juliano Holanda estreia na literatura como quem caminha de olhos vendados por um campo minado feito de afetos desmembrados e memórias com gosto de sangue doce. Outras armadilhas desejáveis é um livro que beija o leitor na testa antes de empurrá-lo, sem cerimônia, para um abismo de linguagem que fere e cura ao mesmo tempo. É literatura escrita com farpas de coração e uma navalha escondida sob o travesseiro.
O que Holanda faz aqui não é poesia no sentido mais domesticado do termo — não há flores, não há acalento, não há perfume de lavanda. O que há é um buquê de espinhos entregue com mãos trêmulas, mas firmes. Poemas como "Horas" e "Arqueologia" operam na fronteira da ternura e da crueldade, como quem se ajoelha para sussurrar algo doce, mas cospe um segredo ácido no ouvido alheio. O tempo, nesses versos, é um veneno lento; a memória, um território onde se pisa como quem atravessa um campo de guerra desativado — mas nunca confiável.
Holanda, mais conhecido por sua obra musical, chega à poesia como um ex-amante que volta para casa com sede de vingança e ternura. Há ritmo, sim, mas um ritmo que sangra, que pulsa contra a estrutura, que quebra o compasso. Os poemas possuem o timbre de quem já compôs canções para corações partidos e agora escreve para corpos inteiros em combustão. Há música, mas há também ruído — o tipo de ruído que se ouve quando o amor morre devagar e ninguém tem coragem de desligar os aparelhos.
Na provocação de “Em tese”, por exemplo, a crítica à cultura de massa é lançada como um coquetel molotov embrulhado em guardanapo de bar: uma simplicidade disfarçada de leveza que, ao menor atrito, incendeia. Juliano escreve com a consciência de quem sabe o peso de uma palavra mal colocada — e mesmo assim escolhe deixá-la cair no lugar exato onde pode machucar mais bonito.
O título não mente: cada poema é uma armadilha — não só desejável, mas necessária. E perigosa, porque ao aceitar o convite para entrar nesses versos, o leitor se expõe a algo irreversível. A linguagem aqui não serve apenas para comunicar, mas para seduzir e trair. Holanda sabe — e nos mostra — que a poesia é uma casa sem fechadura, mas cheia de facas bem escondidas.
Outras armadilhas desejáveis é, enfim, um livro que se lê como quem lê um bilhete suicida escrito com letra bonita. Mortalmente amoroso, porque ama com intensidade que devasta. Indesejavelmente perigoso, porque, uma vez lido, o leitor já não sai inteiro. E nem deveria.
Por Paulo Sales

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