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“Então, viver é isso”, de Cássio Zanatta - Por um leitor que não sabe muito bem o que fazer com tanta ternura…| Livro

Um livro que parece escrito com o coração nos olhos e a ironia nos bolsos

Então, viver é isso

“Então, viver é isso”, de Cássio Zanatta - Por um leitor que não sabe muito bem o que fazer com tanta ternura…| Livro


Cássio Zanatta nos oferece, em Então, viver é isso, algo raro e, por isso mesmo, um tanto desconcertante: um livro que parece escrito com o coração nos olhos e a ironia nos bolsos. Não é autoajuda, tampouco filosofia de boteco (embora flerte com as duas), mas um punhado de crônicas que, à sua maneira, oferecem consolo — ainda que o autor jamais admita esse crime contra a crueza do mundo.


É curioso como Zanatta trata a existência como quem acaricia um gato arisco: sem pressa, com cuidado e uma boa dose de autodepreciação preventiva. Seus textos, que abordam de pandemias a buracos na calçada, passando por abelhas, nuvens, filhos e uma certa esclerose múltipla — que é mencionada sem vitimização nem heroísmo —, são daquelas coisas que parecem bobas... até que, sem aviso, você se pega emocionado ao lado de um parágrafo que fala sobre a vida com a delicadeza de quem sabe que ela pode não estar mais ali amanhã.


Zanatta escreve como se cochichasse ao pé do ouvido de um velho amigo. Há humor, sim — mas é aquele tipo de humor que dá um tapinha nas costas e diz “vai passar”, sem garantia de que vá mesmo. O estilo é econômico, mas não raso; e embora o autor prefira frases curtas, há nelas uma espécie de reverberação emocional que faz o leitor suspirar como quem acaba de lembrar onde escondeu um velho carinho.


Não é um livro para maratonar — e não porque falte ritmo, mas porque cada crônica é uma espécie de miniatura de afeto e espanto que merece digestão lenta. Como disse Matthew Shirts, no prefácio: duas ou três por vez está de bom tamanho, mais que isso pode causar leve overdose de singeleza — um risco que poucos livros hoje oferecem.


E então, viver é isso? Talvez seja. Ou talvez não. Zanatta não dá respostas definitivas (e ainda bem). Ele apenas aponta, com uma pena molhada em aquarela e esperança cansada, para um punhado de momentos que não costumamos notar, mas que, uma vez vistos, são difíceis de esquecer.


O que mais me encantou, talvez, foi esse convite discreto para prestar atenção — nas amizades velhas, nas manhãs incertas, nas pequenas desatenções do corpo e nas incompreensões persistentes dos homens. Uma filosofia doméstica, feita de retalhos e aquarelas, como os desenhos de José Carlos Lollo que, aqui, não ilustram, mas conversam com o texto.


No fim, Então, viver é isso talvez seja menos uma resposta do que um suspiro — daqueles que escapam quando você termina uma boa conversa, sem saber exatamente o que foi dito, mas certo de que foi importante.


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