Vermes Radiantes: como fazer um chá de bebê no inferno com piso laminado e geladeira duplex
- circuitogeral

- 16 de set.
- 3 min de leitura
Um conto dark sobre “Casa de Família”
Vermes Radiantes: como fazer um chá de bebê no inferno com piso laminado e geladeira duplex
Imagine que você está grávida. Não, não metaforicamente grávida de ideias ou esperanças, grávida mesmo: barrigão, chute no rim e tudo. Agora imagine que o governo te dá uma casa. Sim, uma casa! Mobiliada, novinha em folha, com cara de anúncio da OLX pós-filtro. O único detalhe: pode conter traços de... satanismo. Ou neoliberalismo. Ou os dois, vai saber.
“Vermes Radiantes”, dirigido por Alexandre Dal Farra, é basicamente um conto dark sobre “Casa de Família”. Um jovem casal, Ollie e Jill, recebe uma oferta tentadora do Estado: estabilidade instantânea. Mas, como todo presente vindo do governo, tem aquele asterisco invisível do tipo: ao aceitar, você concorda em vender sua alma, sua dignidade e talvez o fígado de um parente de primeiro grau.
Rui Ricardo Diaz e Maria Eduarda de Carvalho entregam atuações que oscilam entre o “humor de comercial de banco” e o “terror psicológico de quem descobriu que o financiamento vai durar até a próxima encarnação”. Eles não só interpretam o casal, mas também viram vizinhos, fantasmas do sistema e, provavelmente, encarnações do Datafolha. É tipo assistir a uma reunião de condomínio sendo conduzida para Chernobyl.
A estética da peça? Um BBB distópico com traços de Black Mirror e cheiro de mofo. A cenografia não quer te agradar, quer te lembrar que sua sala de estar poderia ser um campo de batalha moral. A iluminação pisca como se alguém tivesse esquecido de pagar a conta de luz espiritual. E o figurino? Uma mistura entre “look do dia” da classe média aspiracional e “último suspiro antes do colapso civilizacional”. Ou seja: um desfile de influenciadores do Tik Tok.
E o humor? Bem... é aquele riso que sai meio torto, meio nervoso, tipo quando você descobre que a escola do seu filho virou ponto de tráfico, mas ainda assim serve merenda orgânica. A peça não pede sua risada; ela a arranca com um alicate enferrujado de ironia, no modo "sociedade falida", com roteiro assinado por Kafka com patrocínio do INSS.
No fundo, o que “Vermes Radiantes” pergunta é: quanto vale o metro quadrado da sua sanidade? Vale morar num espaço que mais parece um útero decorado por arquitetos zumbis desde que tenha cozinha americana e wi-fi?
Ridley e Dal Farra, como dois agentes da moralidade armados com sarcasmo e serra elétrica, nos esfregam na cara a farsa do sonho da casa própria: uma fábula moderna em que a segurança vem com juros, a mobília tem cheiro de carne podre, e o lar-doce-lar pode muito bem ser um campo de extermínio disfarçado de condomínio.
No fim, você sai do teatro se perguntando se o mofo no seu teto é só umidade mesmo... ou se há uma cláusula demoníaca escondida no contrato de aluguel.
“Vermes Radiantes” é como se o Minha Casa, Minha Vida fosse um longa dirigido por Lars von Trier, com consultoria estética da Tok & Stok e trilha sonora de sirenes apocalípticas. Não é uma peça para fazer você chorar de rir, mas talvez para lembrá-lo de checar se sua geladeira não está possuída pelo seu egoísmo.
Vai ver, o verdadeiro problema da habitação não é a falta de teto... É o que você aceita colocar debaixo dele.
Por Paulo Sales








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