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Ben Harper no Qualistage: quando o virtuosismo não basta | Show | Crítica

Uma noite de lembranças confortáveis, mas sem o frescor criativo que se esperava de um artista com tanto a dizer

Ben Harper & The Innocent

Ben Harper no Qualistage: quando o virtuosismo não basta | Show | Crítica


Uma noite de lembranças confortáveis, mas sem o frescor criativo que se esperava de um artista com tanto a dizer.


Noite de sábado, 19 de abril de 2025. O Qualistage se transforma em palco de um espetáculo que prometia ser memorável. E, de certa forma, foi — mas não pelos motivos mais esperados. O que deveria ser uma celebração vibrante de blues, folk, soul, reggae e rock acabou se revelando uma exibição burocrática, sufocada por uma nostalgia fácil e pela completa ausência de ousadia. Ben Harper & The Innocent Criminals entregaram um show tecnicamente impecável, mas artisticamente anêmico — um replay mal disfarçado de um passado mais inspirador, onde a única novidade se materializou na forma do tédio.


A abertura da noite ficou por conta de Donavon Frankenreiter, cujo set soou como uma trilha reciclada de um comercial de surfe dos anos 2000. Ainda que carismático, o músico californiano ofereceu um repertório previsível, que resvalou no genérico. Canções como “Free” e “It Don’t Matter” evocaram o clima de um churrasco entre amigos nostálgicos, mas sem a faísca necessária para incendiar o público. Uma introdução morna para uma noite que já dava sinais de que seguiria nesse compasso.


Às 22h15min, Harper sobe ao palco — e a apatia se instala. “Steal My Kisses”, “Burn One Down”, “Diamonds on the Inside”: sucessos que deveriam incendiar o ambiente são executados com a frieza de uma playlist automática. A plateia, carente de energia, se agarra à familiaridade como quem abraça um velho travesseiro. Quando chegam as faixas de Wide Open Light, o constrangimento é palpável. Palmas por educação, não por emoção. O show parece desenhado para não incomodar, trilhando o caminho mais fácil — e menos inventivo — até o aplauso.


Em dado momento, Harper funde “Amen Omen” a “Knockin’ on Heaven’s Door”, numa tentativa que fica entre o tributo e o mashup, mas sem alcançar a profundidade de nenhum dos dois. O resultado soa mais como um atalho emocional do que uma homenagem verdadeira — um gesto seguro que revela, talvez, a dificuldade do artista em confiar na força da própria obra para sustentar o momento.


Tecnicamente, não há o que contestar: Harper continua sendo um músico excepcional, e sua banda, precisa e bem ensaiada. No entanto, talento sem direção pode resvalar no virtuosismo estéril. O show careceu de ideias — sem alma, sem risco, sem qualquer gesto autêntico de reinvenção. Foi uma performance moldada para quem deseja preservar uma memória afetiva, não para quem espera ser provocado ou surpreendido.


E então chega o gran finale. Harper convida fãs ao palco para cantar “Boa Sorte / Good Luck”, encerrando a noite num tom que deveria ser catártico, mas que escorrega no improviso constrangedor. A cena soa forçada, quase protocolar — como um show de calouros em um reality que ninguém quis assistir. A música, que em outros contextos poderia carregar uma bela emoção, vira símbolo do que faltou à noite: entrega, risco, frescor. Um final que, ao invés de coroar, apenas confirma o tom morno de tudo que veio antes.


Ao final, a sensação é inequívoca: Ben Harper não veio para revelar algo novo, mas para preservar seu legado sob uma redoma segura — sem riscos, sem exposição verdadeira. O espetáculo foi bonito aos olhos, mas careceu de alma. Para quem esperava arte pulsante, restou uma experiência cuidadosamente moldada, porém esvaziada de intensidade. Para quem ansiava por catarse, ficou a selfie — e o gosto agridoce de presenciar um artista que, ao invés de evoluir com o tempo, optou por se refugiar na segurança de seu próprio passado.

 

Por PSales

Foto: MSenna



Qualistage
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