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(Um) Ensaio sobre a Cegueira – Grupo Galpão: Espectáculo para quem já não vê

O intervalo entre o gesto e o significado

(Um) Ensaio sobre a Cegueira

(Um) Ensaio sobre a Cegueira – Grupo Galpão: Espectáculo para quem já não vê


Nada se vê. Mas tudo se escuta. E o que se escuta também falha.


Este espetáculo do Grupo Galpão não se apresenta: se recusa. Se desvia da clareza, escorre pelos dedos do olhar. E assim, cega. Cega com precisão.


Não há personagem. Há corpos. Não há trama. Há colapso. Não há encenação. Há a nudez da tentativa.


Rodrigo Portella escreve e dirige com o lápis invisível da escuta. Seu gesto é de esvaziamento e ruína. O texto de Saramago é o ponto de fuga, mas aqui, o ponto de fuga já fugiu. O que sobra é o intervalo entre o gesto e o significado.


A iluminação de Rodrigo Marçal e do próprio Portella não ilumina: oscila. A cenografia de Marcelo Alvarenga é um vácuo habitável. O figurino de Gilma Oliveira se desfaz junto ao tempo. O som esculpido ao vivo por Federico Puppi não embala: incide.


Gabriela Dominguez assina o visagismo de rostos que não querem ser vistos.


Os atores: Antonio Edson, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Luiz Rocha, Lydia Del Picchia, Paulo André e Simone Ordones não interpretam. Eles desconstroem, desandam, desaparecem. Em uníssono, sim, mas em um uníssono de silêncio, de cansaço, de pós-palavra.


E quando a plateia é chamada ao palco, não é para atuar, é para tropeçar. É para tatear o que resta de si dentro do caos. Vendados, viramos o que sempre fomos: surdos aos gritos, cegos às luzes, passivos diante do horror.


O espetáculo se recusa a entreter. Se recusa a mostrar. Se recusa a amparar.


É teatro sem rede. Sem cordas. Sem luz de segurança.


Não se vê. Não se compreende. Não se traduz.


Eis aí a força: Essa peça é um túnel que não leva a lugar algum. Uma ponte sobre o abismo que desaba antes do primeiro passo. Uma narrativa que se recusa a fechar-se, porque tudo já desabou.


É teatro em negativo. Imagem revelada pela ausência. Cena exposta à sua própria cegueira.


Não se aplaude o que não se vê. Mas se sente. E o que se sente, aqui, não passa.


Viva o teatro que nos desarma. Viva o teatro que nos desorienta. Viva o teatro que nos acorda.


Por Paulo Sales

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