Adeus Sapiens, de James Marins: A Elegância do Colapso e Outras Cortesias da História
- circuitogeral

- há 2 dias
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O livro mistura fatos reais, ficção e algumas porradas conceituais que fazem a gente pensar: “Meu Deus do céu, eu não estou preparado nem para fazer imposto de renda, quem dirá para enfrentar o colapso civilizatório.”

Adeus Sapiens, de James Marins: A Elegância do Colapso e Outras Cortesias da História
Adeus Sapiens é aquele tipo de livro que você começa a ler achando que vai descansar a cabeça e, quando vê, já está repensando sua existência, sua profissão, sua senha do e-mail e até aquela compra por impulso que fez às três da manhã. James Marins não escreveu um romance; ele escreveu um manual de instruções para a humanidade que a humanidade, obviamente, vai ignorar, porque se tem uma coisa que o Homo sapiens faz bem é ignorar avisos. Vide 2020.
O protagonista, William, é um jornalista amortal. Não confundir com imortal, que é o da Academia Brasileira de Letras. Amortal é o sujeito que continua vivo até quando a Black Friday tenta matá-lo com ofertas falsas. O cara vive 170 anos e passa por tudo: queda do Muro de Berlim, crise climática, colapso econômico e provavelmente viu o Orkut morrer duas vezes.
E, claro, no meio dessa epopeia toda, ele conversa com uma inteligência artificial chamada Mariá, que, na minha cabeça, é tipo uma Alexa com doutorado em filosofia. Uma assistente virtual que, em vez de tocar Anitta, pergunta: “William, como você lidou com a decadência moral do capitalismo tardio?” Imagine ter uma dessas na sua casa. Você só queria saber a previsão do tempo e ela te entrega uma crise existencial de brinde.
O livro mistura fatos reais, ficção e algumas porradas conceituais que fazem a gente pensar: “Meu Deus do céu, eu não estou preparado nem para fazer imposto de renda, quem dirá para enfrentar o colapso civilizatório.” E James Marins ainda tem a coragem de chamar isso de eutopia, que é tipo utopia, só que possível. O que, sinceramente, para quem já viu grupo de família no WhatsApp, parece improvável.
A parte deliciosa é a alfinetada nos bilionários da tecnologia. Elon Musk deve ter sentido um arrepio na espinha e, confuso, imaginou tratar-se de alguma inovação disruptiva, quando era apenas o desconforto típico de quem, pela primeira vez, percebe as próprias limitações. Jeff Bezos, por sua vez, provavelmente deixou um drone cair e observou a cena com a mesma perplexidade que alguém da alta cúpula experimenta ao descobrir que, apesar das fortunas acumuladas, até os seus brinquedos tecnológicos estão sujeitos às leis da realidade. Um espetáculo quase antropológico, se visto do camarote certo.
O grande barato de Adeus Sapiens é que, apesar de parecer “Ai, meu Deus, o mundo vai acabar”, ele tem um fiozinho de esperança. Daqueles bem finos, tipo fio de carregador de celular pirata, mas ainda assim um fio. Ele sugere que talvez, se a gente pensar a longo prazo, coisa que ninguém faz porque mal pensa no almoço, a humanidade tenha uma chance.
E vai virar filme, dirigido pela Mara Mourão, que já ganhou Kikitos, foi indicada ao Emmy e agora vai precisar transformar 170 anos de desastre e esperança em duas horas de cinema. Boa sorte. Se conseguir, merece mais prêmios do que o Corinthians merecia pênaltis em 2012.
Adeus Sapiens é aquele tapa na cara literário que você agradece. É cômico, trágico, filosófico e, às vezes, tecnicamente humilhante, porque a inteligência artificial do livro é mais profunda do que muita gente que você conhece. No fim, James Marins nos lembra que a salvação não está no chip, não está no drone, não está no bilionário excêntrico. Está na consciência. E, sinceramente, aí eu já fico preocupado.
Por Paulo Sales







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