"Chaves do Armário" transforma o karaokê em experiência afetiva e política
- circuitogeral

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Um espetáculo que parte de um gesto simples, cantar em público

“Chaves do Armário” transforma o karaokê em experiência afetiva e política
Chaves do Armário é um espetáculo que parte de um gesto simples, cantar em público, para construir uma reflexão potente sobre identidade, desejo e pertencimento. Idealizado, escrito e protagonizado por Cristina Flores, o trabalho transforma o palco em um espaço de exposição íntima e, ao mesmo tempo, de enfrentamento político. Em cartaz no CCBB Rio de Janeiro, a peça articula memória pessoal e cultura pop com precisão e sensibilidade.
A direção compartilhada por Cristina Flores e Nara Parolini é um dos pontos centrais da montagem. O espetáculo se equilibra entre a delicadeza e a contundência, alternando momentos de silêncio e vulnerabilidade com passagens de crítica direta às normas sociais que regulam os afetos. O armário, metáfora central da obra, não aparece apenas como conflito individual, mas como construção coletiva que molda comportamentos e expectativas. O que se vê em cena é um corpo em negociação constante com essas estruturas.
A dramaturgia se organiza a partir da relação afetiva da protagonista com as canções de Zélia Duncan e Lulu Santos. Longe de funcionarem como simples trilha sonora, as músicas atuam como dispositivos narrativos que acionam memórias, provocam deslocamentos e revelam contradições internas. Cada canção abre uma camada do processo de autoconhecimento da personagem, tratando a saída do armário não como um momento definitivo, mas como um percurso marcado por avanços, recuos, humor e risco.
A encenação aposta na mistura de linguagens, combinando teatro, cinema, stand-up, musical e karaokê. Essa hibridez é integrada de forma orgânica à narrativa e contribui para ampliar o campo de leitura do espetáculo. As projeções cinematográficas que apresentam o ex-namorado da protagonista criam um diálogo entre passado e presente, presença e ausência, sem romper a unidade da cena. A participação ao vivo da musicista e atriz Angeliq Farnocchia, responsável pela direção musical, reforça o caráter performativo e afetivo da obra.
O público ocupa um papel fundamental na experiência. Ao ser convidada a cantar junto, a plateia deixa a posição de observadora passiva e passa a compartilhar o risco da exposição. Esse gesto simples gera identificação e deslocamento. O humor, elemento constante da encenação, funciona como porta de entrada para temas complexos, sem neutralizar o conflito. O riso surge como reconhecimento, não como fuga.
É nesse ponto que a direção de Nara Parolini se evidencia com mais força. A peça impede que a experiência se restrinja ao campo do individual e lembra continuamente que as dores íntimas são produzidas por sistemas sociais e históricos. Ao mesmo tempo, a condução sensível de Cristina Flores preserva o espaço do cuidado e da escuta, evitando que o discurso político se torne abstrato ou distante.
Produzido pela Queerioca, primeiro Centro de Artes e Cultura LGBTQIAPN+ do Rio de Janeiro, Chaves do Armário reafirma o teatro como espaço de encontro, partilha e reflexão crítica. Sem oferecer soluções fáceis ou finais redentores, o espetáculo aposta na potência da arte como ferramenta de transformação. Ao final, o que se abre não é apenas um armário, mas um espaço coletivo onde cantar e existir deixam de ser atos solitários.
Ficha técnica:
Direção: Cristina Flores e Nara ParoliniDramaturgia: Cristina FloresElenco: Cristina Flores (Denise) | Angeliq Farnocchia (Angel) | Álamo Facó (Ulisses – projeção) | Rodrigo Nogueira (Primo – projeção)Direção de produção: Laura Castro
Direção musical: Angeliq FarnocchiaDireção de arte / cenário: Daniel Toledo (obra “PORNORAMA”, do OPAVIVARÁ)Iluminação: Tomás RibasFigurino: Angela CamaraProjeção audiovisual: Laura Castro
Montagem da projeção audiovisual: Tatiana GouveiaDireção de fotografia audiovisual: PatuVídeo-arte: Flor BrazilProdução: Queerioca & CCBBAssessoria de imprensa: Rafael Millon e Felipe MacielClassificação: 12 anos
Serviço:
Teatro - Peça “Chaves do Armário”, de Cristina Flores
Teatro II - CCBB Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro
Até 21 de dezembro de 2025
Quinta-feira a sábado às 19h, e domingo às 18h
Preço: R$30 (inteira) / R$15 (meia-entrada)
Duração: 70 min
Classificação: 12 anos
Lotação : 155 lugares








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