Minha vida antes e depois da mediação: Quando ganhar não resolve
- circuitogeral

- há 2 dias
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Os casos práticos apresentados ao longo da obra constituem um de seus pontos mais fortes. Eles ilustram situações em que a sentença judicial se mostra insuficiente para lidar com questões afetivas, relacionais e simbólicas.

Minha vida antes e depois da mediação: Quando ganhar não resolve
Minha vida antes e depois da mediação, de Úrsula Freitas, é uma obra que se propõe a transitar entre o relato autobiográfico e a reflexão profissional, apresentando a mediação de conflitos como alternativa ao modelo tradicional do Judiciário. Ao fazer esse movimento, o livro alcança um efeito ambivalente: ao mesmo tempo em que se destaca pela força humana de sua narrativa, limita-se, em alguns momentos, pela ausência de um tensionamento mais profundo sobre os alcances e os limites da própria mediação.
Um dos principais méritos da obra está na escolha de um tom confessional. Ao narrar sua trajetória pessoal, sobretudo na parte intitulada O Caos, a autora expõe experiências marcadas por instabilidade familiar, casamento precoce e maternidade, sem recorrer à romantização do sofrimento. Essa exposição confere autenticidade ao texto e permite compreender a mediação não apenas como uma técnica profissional, mas como uma resposta existencial aos conflitos vividos. No entanto, essa forte identificação entre experiência pessoal e prática profissional faz com que, por vezes, a mediação apareça mais como solução biográfica do que como instrumento passível de análise crítica mais rigorosa.
Na segunda parte do livro, dedicada à mediação propriamente dita, a narrativa assume um caráter mais didático e acessível, especialmente para leitores que não possuem formação jurídica. Ainda assim, para um público mais especializado, a abordagem pode soar introdutória. Falta, em alguns trechos, um maior aprofundamento sobre as limitações institucionais da mediação, bem como sobre seus riscos quando aplicada em contextos marcados por desigualdades de poder ou ausência real de disposição para o diálogo.
Os casos práticos apresentados ao longo da obra constituem um de seus pontos mais fortes. Eles ilustram situações em que a sentença judicial se mostra insuficiente para lidar com questões afetivas, relacionais e simbólicas. No entanto, a seleção desses relatos tende a reforçar a eficácia da mediação, o que pode gerar a sensação de um viés confirmatório. São raros os exemplos em que a mediação fracassa de maneira mais contundente ou revela seus limites de forma explícita, o que reduziria o caráter exemplar excessivamente positivo dos casos narrados.
Outro aspecto que merece atenção é o tom motivacional presente em diversos trechos. Ao se aproximar, por vezes, de uma narrativa de autoajuda, o livro amplia seu alcance emocional e comunicativo, mas perde densidade analítica. A mediação é apresentada, em muitos momentos, como um caminho ético quase universal, capaz de transformar conflitos a partir da escuta e da boa vontade. Essa abordagem, embora inspiradora, tende a simplificar conflitos que, em contextos sociais mais complexos, extrapolam a esfera da comunicação individual.
Apesar dessas limitações, a obra cumpre um papel relevante ao provocar desconforto, especialmente entre profissionais do Direito formados sob a lógica adversarial. Ao questionar a centralidade da vitória, da imposição de decisões e da dicotomia entre certo e errado, Úrsula Freitas convida o leitor a rever práticas naturalizadas no cotidiano jurídico. O livro não se propõe a oferecer respostas definitivas, mas a lançar uma pergunta incômoda: até que ponto o modelo tradicional de resolução de conflitos é capaz de produzir soluções verdadeiramente transformadoras?
Em síntese, Minha vida antes e depois da mediação não é um tratado acadêmico nem pretende sê-lo. Trata-se de uma obra de atravessamento, que mobiliza a experiência da autora e interpela diretamente o leitor. Sua força reside na coragem de expor vulnerabilidades e defender a escuta como prática ética e política. Sua principal limitação está na confiança quase inabalável de que o diálogo, por si só, pode dar conta de conflitos que, muitas vezes, são estruturais e não apenas comunicacionais. Ainda assim, o livro se mostra uma leitura relevante, sobretudo por tornar impossível retornar a uma visão ingênua ou automática sobre o conflito após sua leitura.
Por Paulo Sales







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