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Não me entrego, não! - Othon Bastos e o manual definitivo de como envelhecer fazendo história

É bonito ver um ator que não precisa provar mais nada, mas ainda sobe ao palco para dividir tudo, inclusive a alma

Não Me Entrego, Não

Não me entrego, não! - Othon Bastos e o manual definitivo de como envelhecer fazendo história


Gente, vocês não estão entendendo. Fui assistir à peça Não me entrego, não!, com Othon Bastos, dirigida por Flávio Marinho, e saí de lá me sentindo uma criança de três anos diante de um monólito de sabedoria e carisma. Othon, aos 92 anos, sobe ao palco, conta sua própria vida, ri, chora, cita Shakespeare, Glauber Rocha, Chico Xavier… e eu, do outro lado, pensando: “Eu, com essa idade, não consigo nem lembrar onde deixei o controle remoto.”


A peça é como um encontro entre o Museu da Língua Portuguesa e um boteco de esquina onde o tempo resolveu fazer hora extra. É o passado, o presente e o teatro dividindo uma cerveja e contando causos de bastidor. E o mais impressionante é que o cara não só lembra do texto, mas lembra de 74 anos de carreira! Eu mal lembro o que comi no almoço, e Othon está ali recitando trechos de Guarnieri, falando de política e amor como quem conta piadas num churrasco de domingo. Se existisse uma Olimpíada da memória, ele ganharia ouro e ainda faria um discurso de agradecimento à FUNARJ no pódio.


Flávio Marinho, o diretor, fez um trabalho de Jedi da dramaturgia: pegou 600 páginas de anotações de Othon e transformou em um espetáculo de 90 minutos, sem precisar chamar o Tarantino para editar. Isso, por si só, já é um milagre digno de canonização teatral. A peça é um misto de biografia, filosofia e stand-up de quem realmente viveu o que está dizendo. Othon não faz humor; ele é o humor da existência em pessoa. É aquele tipo de ator que fala “um dia encontrei Glauber Rocha” como quem diz “fui ali comprar pão”.


E o público? Ri, chora, canta parabéns e sai do teatro se sentindo íntimo de Othon, como se tivesse passado uma tarde tomando café com ele e com a História do Brasil ao fundo. É bonito ver um ator que não precisa provar mais nada, mas ainda sobe ao palco para dividir tudo, inclusive a alma.


Othon é o último romântico do teatro brasileiro e, ao mesmo tempo, o primeiro influencer de espírito. Não me entrego, não! É o nome perfeito, porque ele não se entrega, não desiste, não desanima e, se deixarem, ainda faz mais 200 apresentações. E Flávio Marinho, com sua direção elegante e afetuosa, faz a plateia rir e pensar — o que, convenhamos, é mais raro do que ingresso barato em teatro bom.


Por Paulo Sale




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