Rodrigo Campello – Peças de Uma Exposição Vol.1 – Tarsila: O Som Virou um Passeio de Ácido num Museu Modernista
- circuitogeral

- 1 de out.
- 2 min de leitura
Atualizado: 2 de out.
“Dá pra fazer arte com isso”

Rodrigo Campello – Peças de Uma Exposição Vol.1 – Tarsila: O som virou um passeio de ácido num museu modernista.
Rodrigo Campello olhou para um quadro da Tarsila, ligou o sintetizador, piscou para o século XXI e pensou: “Dá pra fazer arte com isso.” E fez. Mas não só fez. Desfez, refez e ferveu o modernismo num caldeirão sonoro que parece ter sido temperado com flor de manacá, suor ancestral e um pé no côco nordestino. Se você esperava uma trilha sonora para um documentário da TV Cultura, volte duas casas.
O EP Peças de Uma Exposição Vol.1 – Tarsila não é sobre ouvir. É sobre sentir um quadro com o tímpano. Campello não homenageia Tarsila como quem coloca flores no túmulo da arte moderna. Ele faz mais: invoca o espírito da artista, bota no microfone e pede pra ela cantar junto com Ney Matogrosso numa roda de côco antropofágica. Porque se é pra ressuscitar o passado, que seja com batuque, ruído e performance vocal.
“Manacá” é a abertura. Mas não espere flores no cabelo nem violãozinho de barzinho. Aqui, as pétalas vêm com delay e os estames estão plugados num Moog. É sensorial, sim, quase sinestésico. Uma paleta sonora que escorre como tinta fresca: flui, mancha, some. É como se Debussy e Caetano tivessem ido a uma rave e, no fim, se abraçado chorando diante de uma aquarela.
Em seguida, “A Negra” dá um soco na delicadeza e troca o buquê por um tambor. Denso, ritualístico, politizado até o último beat. Campello não alisa. Ele cava. Vai até a carne da imagem, até o subtexto colonial da arte brasileira, e grita. Grita com percussão, com vozes de outras épocas, com dor coletiva. E quando a voz de Maria do Amparo aparece, você sente que não está mais numa galeria: está num terreiro digital onde Tarsila vira entidade. Axé glitchado com reverb.
A última faixa, “O Côco do Abaporu”, é o plot twist. O delírio carnavalesco da antropofagia em sua melhor forma: Ney Matogrosso aparece como quem desce do céu da Sapucaí direto pra um karaokê tropical-futurista. O côco, aqui, não é só ritmo – é manifesto. É o Brasil sendo o Brasil: erudito e brega, profundo e debochado, ancestral e experimental. Uma ode ao desbunde de ser múltiplo.
Tecnicamente, o EP é um tapa com luva de produção. Tudo é milimetricamente sujo no lugar certo. Campello dá espaço pro silêncio falar, e pro ruído responder. Não há gordura. Só músculo, pulsação e respiração artística.
No fim das contas, o que temos aqui é menos um álbum e mais uma instalação sonora portátil, um museu ambulante pro ouvido inquieto. Tarsila virou som. E o som, nesse caso, virou um manifesto.
Rodrigo Campello, com esse primeiro volume, não só visita o modernismo ele dá um mortal carpado por cima dele. E o mais bonito: sem perder a elegância, sem medo do ridículo, e com a coragem de quem sabe que arte de verdade não é explicação é provocação.
Modernismo em 2025? Só se for assim: remixado, ritualizado e com o Ney Matogrosso na jugular.
Paulo Sales










Comentários