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Senhor Diretor: A ferida que sangra em silêncio | Teatro

Atualizado: 17 de abr.

Um monólogo interior que oscila entre lucidez feroz e devaneio pungente

Senhor Diretor

Senhor Diretor: A ferida que sangra em silêncio | Teatro


Na penumbra do Teatro Poeira, enquanto o público se acomoda, é como se o tempo suspenso anunciasse: algo de muito íntimo, de profundamente humano, está prestes a ser escancarado. “Senhor Diretor”, espetáculo-solo com Analu Prestes, dirigido por Silvia Monte, que não apenas adapta o conto de Lygia Fagundes Telles — ela o implode por dentro, fazendo do teatro uma extensão febril da mente de sua personagem.


A encenação é uma escuta do abismo. Maria Emília, professora aposentada, caminhando solitária por uma São Paulo que parece já não lhe pertencer, escreve uma carta ao diretor do Jornal da Tarde como quem tenta, com palavras, impedir o desmoronamento de si mesma. A carta, pretexto e espelho, torna-se trilha para um monólogo interior que oscila entre lucidez feroz e devaneio pungente. Em cena, a palavra escrita transforma-se em palavra dita, e é nesse trânsito que a peça encontra sua potência mais funda: não estamos diante de uma adaptação, mas de uma transfusão.


Silvia Monte compreende com rara delicadeza o barro de que é feita a prosa de Lygia: a oralidade que escapa pela costura da frase, a memória que infiltra a lógica, o corpo que treme por dentro da linguagem. A encenação é sóbria, mas nunca fria; econômica, mas nunca árida. Há uma contenção que amplifica — porque Maria Emília não grita, mas tudo em sua presença é grito abafado.


Analu Prestes entrega uma performance de assombrosa nitidez. Não há personagem; há um ser em fratura. Seu rosto não atua: confessa. Seus gestos não ilustram: são extensões do pensamento, por vezes interrompidos, como se o corpo duvidasse da própria existência. E quando Maria Emília entra no cinema, em busca de refúgio, o espetáculo nos oferece uma virada quase mística — ali, nas sombras da sala escura, ela vê a si mesma, e o mundo, de outro lugar. Talvez o único possível.


“Senhor Diretor” é, no fundo, a dramatização de um colapso civilizado. A indignação de Maria Emília diante da degradação social é o ponto de partida, mas logo percebemos que a verdadeira ruína é íntima. A carta jamais será enviada. Talvez porque não se escreva para ser lido, mas para não enlouquecer.


Ao final, há um silêncio que ninguém se apressa em quebrar. O público demora a aplaudir — e é bom que seja assim. Porque este espetáculo não pede palmas; pede escuta. Uma escuta que vá além da plateia, além do teatro, e que se transforme, quem sabe, em outra carta — esta sim, escrita por cada um de nós, ainda que nunca enviada.


Teatro Poeira - Rua São João Batista, 104, Botafogo / RJ

HORÁRIOS: terças e quartas-feiras às 20h 

INGRESSOS: R$100 e R$50 (meia) 

CAPACIDADE: 171 espectadores

DURAÇÃO: 50 min 

GÊNERO: monólogo

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 14 anos

TEMPORADA: até 23 de abril de 2025



FICHA TÉCNICA

Da obra de Lygia Fagundes Telles

Idealização, Adaptação e Direção: Silvia Monte

Elenco: Analu Prestes

Cenário e Figurino: Analu Prestes

Iluminação: José Henrique Moreira

Direção de Movimento: Mari Amorim

Trilha Musical: Silvia Monte

Direção Musical, Produção e Arranjos: Yahn Wagner

Coro e Instrumentistas: Daniel Santana Souza, Eduardo da Silva de Barros,

Iago Cirino dos Santos, Mariana Leandro da Guia, Rodrigo Barcelos da

Costa Silviane Paiva de Noronha, Tie de Khul e Machado

Músicas: “Último Tango em Paris”, de Gato Barbieri; “Moteto em Ré Menor”, de Gilberto Mendes; e o poema “Beba Coca-Cola”, de Décio Pignatari

Identidade Visual: Sydney Michelette

Fotos de Divulgação: Alexia Maltner

Fotos de Cena: Isabelle Oliveira

Gestão de Performance e Redes Sociais: Lead Performance

Operação de Luz: Wallace Furtado

Operação de Som: Thuca Soares

Cenotécnico: Humberto Jr.

Direção de Produção: Wagner Pacheco

Produção e Realização: Terceira Margem Produções Culturais

Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany


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